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segunda-feira, 7 de julho de 2014

Lana Del Rey – Ultraviolence (Resenha)


Mulheres em trajes vermelhos de gala, homens em jaquetas de couro montados em motocicletas. Drogas, flores, armas e câmeras. Lizzy Grant, a.k.a. Lana Del Rey, é uma cronista, estrutura histórias de um azul acinzentado e dramático onde a linha entre sanidade e segurança parecem constantemente prestes a se partir. As muitas mulheres que representa estão apaixonadas pelo pior dos tipos do bairro, fator que sempre as levam a pedir clemência, romanticamente olhando um horizonte belo e desconsolado que contrasta com suas desgraças.

Lana escreve sobre o passado e mesmo quando adiciona elementos do presente, como citações a Lou Reed, ou ocasionais palavrões para desmentir docilidade, parece cristalizada como algum personagem datado de West Side Story. Anos depois da surpresa de uma performer que depositasse tanta confiança em estéticas antigas aparecer, suas letras e sonoridades já parecem datadas, assim como suas intenções iniciais: no novo e oficialmente segundo álbum da carreira, Del Rey parece exaurida artisticamente. Contorce ligeiramente um ou outro elemento de sua música, substituindo por exemplo o hip hop e o eletrônico de antes pelo rock de agora, mas não se importa em trocar a linha geral de suas composições, formadas em maioria por imagens que ficam muito bonitas em clipes, mas não caem tão bem aos tímpanos.



Estranho recurso de que dispõem para intensificar o apelo emocional de seu disco são arquétipos femininos frágeis, ou melhor, fracos. Existentes basicamente para forçar um contraponto a parceiros abusivos, as mulheres de Lana giram quase sempre em torno do homem que as acompanham: a garota mais jovem apaixonada por um viciado, a virgem Maria que jamais abandona seu marido drogado ou a companheira que interpreta agressões físicas como parte das manifestações de carinho. Meses depois de a imagem da mulher na cultura pop ter recebido as impressões de Beyoncé – defensora da inutilidade do homem como provedor, do desgarro de um companheiro, da ideia de plenitude e da prova de que feminilidade e expressão da sexualidade como parte do recado não enfraquecem seu conteúdo -, é com estranheza que escutamos as provas de devoção na voz de Del Rey, que são apenas reflexos de habitantes de um um universo particular, mas ainda assim.

Na verdade, toda a história da Lizzy Grant que passou a ser Lana e se deixou ajudar por profissionais que lapidaram sua figura continua impedindo que o ouvinte acredite nas criações da cantora. Quando esta despeja suas lamúrias e os cenários repugnantes que o envolvem, quem a escuta continua ouvindo uma desesperadora necessidade de ser capaz de representar o feio de seu interior e do mundo que habita em oposição ao belo. Tudo acaba remontando essa intenção, os sussurros com que se diz apaixonada por homens de caráter duvidoso, suas sonoridades em roupagem misteriosa e a repetição de suas enjoativas temáticas. Não passa despercebida sua pretensão: ser uma das vozes do submundo, encontrar espaço na lacuna deixada pelas mortes de Lou Reed e a sujeira de sua América ou a falta de escrúpulos dos tipos dos textos de Bukowski. Em contrapartida, o cenário onde pairam os gangsteres de armas no coldre e drogas nos bolsos, mas que em momento algum executam ações retirando a cantora do marasmo que resolveu habitar, não possui qualquer apelo.

Da nova safra de faixas, pouco se salva: “West Coast” é boa graças ao elemento surpresa, abandono dos detalhes eletrônicos de Born To Die (2012) e redirecionamento ao rock, encontrando refúgio nos lisérgicos anos 70; “Shades of Cool” tem letra dispensável, mas se apoia bem no solo de guitarra, leve mão da produção de Dan Auerbach; “Sad Girl” e “Pretty When I Cry” resgatam a imagem de baby perigosa. No entanto, as melhores do registro são o single de lançamento e “The Other Woman”, em que desmistifica a imagem da amante, com bela sonoridade calcada no blues ao fundo. Suas outras canções são versões menos interessantes dessas, inclusive no conteúdo vazio de algumas letras: “My baby lives in shades of blue. Blue eyes and jazz and attitude. He lives in California, too. He drives a Chevy Malibu”, para minutos depois e algumas faixas adiante, lançar a máxima “Blue hydrangea, cold cash, divine. Cashmere, cologne and white sunshine. Red racing cars, sunset in vine. The kids were young and pretty”. Lana se repete à exaustão, rodando fotografias iguais e esperando que ninguém perceba. O despretensiosamente sexy também passa longe de Ultraviolence, já que Del Rey se perde nos sussurros e suspiros, deixando a impressão de orgasmo falso, confirmando que o excesso desses elementos passa longe dos bons resultados que obtiveram Rhye e SZA, por exemplo.


Ultraviolence perde a chance de enveredar pela interessante curva que era o EP Paradise (2012), álbum mais conciso e interpolador de faixas com apelo pop, mas uma evolução da sonoridade misteriosa que Lana Del Rey desenvolveu nas competentes “American”, “Ride” ou no cover de “Blue Velvet”. Também não tem grandes chances de despontar hits estrondosos como “Video Games” ou “Blue Jeans”, já que seus refrões são visivelmente mais esquecíveis que os anteriores. Novamente, Lana se perde nos agudos por não ter voz para segurá-los, impedindo que este seja um álbum para se ouvir mais de uma vez.

Como pacote, Ultraviolence é cópia de si mesmo, uma mesma faixa tocada várias vezes a esmo com letras diferentes, mas de temas semelhantes. Contém montes de frases soltas que deveriam ser responsáveis pela criação de histórias, mas que apenas se aproximam de montes de cenas. Seus dramas poucas vezes chegam perto de álbuns que tratam do amor de forma desesperada, o que deixa um sentimento de morte prematura de seus temas, antes mesmo que sejam aprofundados. Lana já relatou em entrevistas, onde buscava derrubar ou construir ainda mais mitos ao redor de si, ter vontade de roteirizar para cinema. Se fossemos transpor suas músicas para a grande tela, o plástico sem dúvidas teria mais importância que o recheio. Na realidade, imaginar não é preciso: Tropico nos ilustra quando uma cantora é transformada em deusa indie, escassa de ações, mas impecavelmente fiel a seus próprios movimentos. O produto final não está em seu conteúdo, sequer no efeito que todas suas músicas juntas causam. Lana Del Rey segue sendo o equivalente musical a um belo filme vazio.

Original do MoveThatJukeBox
Felipe Fernandes

É um profundo admirador da escrita e da arte que é escrever. Estudante e escritor metido a poeta, que as vezes acerta nas combinações das palavras.

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