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terça-feira, 1 de julho de 2014

Literatura Brasileira: Os quatro quatro, três três de Vinicius



Sonetos não fazem comumente parte das minhas leituras, mas os de Vinicius de Moraes tem um quê de especial. Ele faz um jogo de palavras e transmite tanto em tão pouco espaço (dois quartetos e dois tercetos).

E por mais que tenha uma linguagem rebuscada e um tanto antiga, entender suas mensagens não é um bicho de sete cabeças. Não somente os sonetos, mas seus poemas são carregados de sinceridade e exaltação de sentimentos.


























Um poema que me impressionou foi “Receita de mulher”, muitas feministas tendem a dizer que o texto é extremamente machista, ao meu ver muito pelo contrário. Me recuso a chamar de machista algo que traz caraterísticas físicas e espirituais em forma de poesia com tanta genialidade.

Receita de mulher

As muito feias que me perdoem 
Mas beleza é fundamental. É preciso 
Que haja qualquer coisa de dança, qualquer coisa de haute couture 
Em tudo isso (ou então 
Que a mulher se socialize elegantemente em azul, como na República [Popular Chinesa). 
Não há meio-termo possível. É preciso 
Qu tudo isso seja belo. É preciso que súbito 
Tenha-se a impressão de ver uma garça apenas pousada e que um rosto 
Adquira de vez em quando essa cor só encontrável no terceiro minuto da [aurora. 
É preciso que tudo isso seja sem ser, mas que se reflita e desabroche 
No olhar dos homens. É preciso, é absolutamente preciso 
Que tudo seja belo e inesperado. É preciso que umas pálpebras cerradas 
Lembrem um verso de Eluard e que se acaricie nuns braços 
Alguma coisa além da carne: que se os toque 
Como ao âmbar de uma tarde. Ah, deixai-e dizer-vos 
Que é preciso que a mulher que ali está como a corola ante o pássaro 
Seja bela ou tenha pelo menos um rosto que lembre um templo e 
Seja leve como um resto de nuvem: mas que seja uma nuvem 
Com olhos e nádegas. Nádegas é importantíssimo. Olhos, então 
Nem se fala, que olhem com certa maldade inocente. Uma boca 
Fresca (nunca úmida!) e também de extrema pertinência. 
É preciso que as extremidades sejam magras; que uns ossos 
Despontem, sobretudo a rótula no cruzar das pernas, e as pontas pélvicas 
No enlaçar de uma cintura semovente. 
Gravíssimo é, porém, o problema das saboneteiras: uma mulher sem [saboneteiras 
É como um rio sem pontes. Indispensável 
Que haja uma hipótese de barriguinha, e em seguida 
A mulher se alteie em cálice, e que seus seios 
Sejam uma expressão greco-romana, mais que gótica ou barroca 
E possam iluminar o escuro com uma capacidade mínima de 5 velas. 
Sobremodo pertinaz é estarem a caveira e a coluna vertebral 
Levemente à mostra; e que exista um grande latifúndio dorsal! 
Os membros que terminem como hastes, mas bem haja um certo volume de [coxas 
E que elas sejam lisas, lisas como a pétala e cobertas de suavíssima [penugem 
No entanto, sensível à carícia em sentido contrário. 
É aconselhável na axila uma doce relva com aroma próprio 
Apenas sensível (um mínimo de produtos farmacêuticos!) 
Preferíveis sem dúvida os pescoços longos 
De forma que a cabeça dê por vezes a impressão 
De nada ter a ver com o corpo, e a mulher não lembre 
Flores sem mistério. Pés e mãos devem conter elementos góticos 
Discretos. A pele deve ser fresca nas mãos, nos braços, no dorso e na face 
Mas que as concavidades e reentrâncias tenham uma temperatura nunca [inferior 
A 37° centígrados podendo eventualmente provocar queimaduras 
Do 1° grau. Os olhos, que sejam de preferência grandes 
E de rotação pelo menos tão lenta quanto a da Terra; e 
Que se coloquem sempre para lá de um invisível muro da paixão 
Que é preciso ultrapassar. Que a mulher seja em princípio alta 
Ou, caso baixa, que tenha a atitude mental dos altos píncaros. 
Ah, que a mulher dê sempre a impressão de que, se se fechar os olhos 
Ao abri-los ela não mais estará presente 
Com seu sorriso e suas tramas. Que ela surja, não venha; parta, não vá 
E que possua uma certa capacidade de emudecer subitamente e nos fazer [beber 
O fel da dúvida. Oh, sobretudo 
Que ele não perca nunca, não importa em que mundo 
Não importa em que circunstâncias, a sua infinita volubilidade 
De pássaro; e que acariciada no fundo de si mesma 
Transforme-se em fera sem perder sua graça de ave; e que exale sempre 
O impossível perfume; e destile sempre 
O embriagante mel; e cante sempre o inaudível canto 
Da sua combustão; e não deixe de ser nunca a eterna dançarina 
Do efêmero; e em sua incalculável imperfeição 
Constitua a coisa mais bela e mais perfeita de toda a criação inumerável.



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