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segunda-feira, 25 de agosto de 2014

(Re)pensando a manipulação da mídia



A disseminação da ideia “a mídia manipula” foi feita em cima de uma proposta que resultou por cair sobre ela mesma. Em outras palavras, a ideia criada tinha como objetivo convencer a massa de que seria necessário um exercício de repensamento de realidade, uma abertura de mente para o aumento de escolhas de origem de informação. O intuito de dizer que a mídia manipula deveria ser alertar a massa para ver a realidade. O que aconteceu, porém, foi a cristalização de mais um senso-comum.

Virou cômodo se sentir igual. Há um fingimento em não entender que a diferença dar-se por meio do esforço pessoal, no lugar dessa compreensão, instala-se, de forma falsa, que os diferentes são aqueles que forçam a superioridade sobre os demais. O diferente é posto em lugar de eliminação. Nessa lógica, há a tendência em se separar da massa que “acredita” na mídia e entrar para o grupo que aponta ela como manipuladora. Sem perceber que esse é mais um grupo que só levanta uma bandeira com um “efeito” sem ter estudado a causa.

O famoso debate de que a indústria da informação se sustenta porque publica o que o  povo gosta ou o povo gosta porque é a única opção (e por isso ela se sustenta) recebe um equilíbrio quando assume-se que o gosto do público é, ao mesmo tempo, causa e efeito. Isso seria o mais aceitável porque não devemos pensar que a sociedade apenas recebe tudo que lhe é mostrado já que ao mesmo tempo temos tantas críticas para o excesso de conteúdo. Também não poderíamos concluir que a mídia expõe o que a massa deseja quando já temos um número considerável de pessoas afirmando que a mídia manipula.

Segundo Ortega y Gasset, o homem-massa é aquele que apenas absorve, não possui a capacidade de autoanálise, não se incomoda com isso (talvez por não ter a noção de possuir tal capacidade) e exclui e julga tudo aquilo que é diferente. A teoria hipodérmica diz que não existe uma tentativa de sintetizar aquilo que é passado, que a massa não resiste ao que lhe é imposto, apenas é atingida. As mensagens transmitidas são comparadas com estímulos liberados com a intenção de ativar respostas, ou seja, um tipo de manipulação indutor de ações.

Alguns, porém, que se dizem “acima” dessa massa por pertencerem a um conjunto de elite intelectual cai apenas no conceito de “enxergar” os posicionamentos, mas não exerce o movimento de tentar ver os outros lados. Aquele que se esforça em abandonar essa posição de aceitar uma essência conjunta e busca o caminho do individualismo poderá obter a “estranheza” desse mundo para, então, começar a compreendê-lo, deixando de ver a mídia como um só corpo e percebendo que existem diversas fontes, e que não deixam de ser essenciais por perceber que o conflito de ideias é o único meio para o nascimento da sua própria ideia.

Defleur, em “Teorias da Comunicação de Massa”, ao expor que a mídia perpassa todas as comunidades (escola, política e religião, entre outras) da sociedade, apresenta o modo de vida americano atual como insustentável sem a comunicação em massa. Quando analisamos isso, podemos pensar que no começo da história, essa comunicação (tal como é definida hoje em dia) não existia e então, intuitivamente, respondemos que poderíamos viver sem ela, no entanto, isso só seria possível se voltássemos a ser como éramos, se voltássemos a ter o que tínhamos e deixar de ter o que não tínhamos antes dela (o que parece impossível).

A analogia usada pelo autor entre a cultura de massa e a formação de opinião das crianças (essa por Platão) sugere que devemos selecionar o que queremos absorver, no entanto, se a mídia é “manipulada” para mostrar realidades desejadas, selecionar apenas o que queremos também seria um tipo de manipulação, portanto, devemos ver também aquilo que não nos agrada (e aqui não falo de gosto, mas sim de “verdades”).

Com a diferenciação e complexidade que os veículos assumem conforme crescem (princípio de Durkheim) a tendência é que exista especialização de conteúdo. Isso nós já podemos notar nos dias de hoje, porém, o que não notamos, é a seleção que as pessoas deveriam ter.

As propagandas por assumirem uma linguagem cheia de verbos no imperativo aparecem sempre como maliciosas. A propaganda é o intermédio entre a vontade do consumidor em obter algum produto e a do anunciante de vender. Embora exista todo um preparo para a apresentação mais convincente possível, ainda assim não é possível afirmar que existe uma obrigação de compra.

Outra ideia sobre as propagandas é que a utilização de produtos mais conhecidos como “Danone” para substituir “iogurte” é uma manipulação. Isso é, simplesmente, uma figura de linguagem chamada de sinédoque, similar à metonímia, que consiste no entendimento simultâneo na alteração de um termo por outro. É simples: se na geladeira da sua casa existe um iogurte mais barato que o “Danone” e ainda assim você o chama por esse nome, então você não foi induzido por marca alguma já que não comprou.

O significado associado à ideia aparece na mente da massa transformando a mídia em algo negativo, em um corpo que tem a pretensão de sugá-los e encaminhá-los para o lado que bem lhe convém. Assim como associam a justiça à impunidade, a política ao roubo ou a polícia à violência, agora passaram a associar a mídia à manipulação e esqueceram sua função.

Posicionamento e Ética

Qualquer discurso, seja ele midiático ou não, está sujeito à subjetividade de sua fonte. Pode ser a influencia das crenças e dos valores da pessoa que está falando, ou a linha editorial de um jornal, todos expressam suas opiniões em seu discurso. Mas essas marcas de subjetividade não significam, entretanto, falta de ética no jornalismo.

O jornalista, ao fazer uma matéria, está, mais do que relatando uma sequencia de fatos, analisando. Seu relato, que será publicado nos meios de comunicação, depende muito da forma como o jornalista interpreta os fatos que serão notícia. E todos nós, temos nossas próprias ideias, que irão influenciar a forma como vemos determinados acontecimentos. Então sempre que lemos uma noticia, estamos lendo, na verdade, a visão que outra pessoa tem dos fatos e acontecimentos.

E também há a linha editorial de um jornal. Um meio de comunicação tão presente quanto este não faria sentido se não tivesse seu próprio “código de conduta”. E é importante que haja tantos jornais com vertentes diferentes, afinal, vivemos em um mundo onde todas as opiniões são livres, e devem ser expressas.

Isso levanta, entretanto, a questão sobre a ética no jornalismo. Até que ponto é moralmente aceitável que sejam expressas opiniões em noticias? Essa visão não abriria espaço para a manipulação? Não necessariamente.
É dito que a manipulação da mídia está presente quando ela relata fatos de maneira supostamente presunçosa e parcial. Mas, “a imparcialidade é uma mentira” (CARVALHO, 2013.), já que ao dizer que a mídia deve mostrar a verdade como ela é, estaríamos supondo a existência de apenas uma verdade universal. Sendo o próprio conceito de verdade difícil de definir, não podemos então supor que é fácil determinar qual visão dos fatos é a correta.

Partindo desse principio então, o que seria objetividade? Relatar fielmente o que o jornalista vê segundo sua própria subjetividade? Declarar que não é ético quando um jornalista expressa suas opiniões em um texto não faz sentido. A objetividade, que é um dos princípios jornalísticos, deve ser buscada de outra forma.

Um conceito alternativo, e pertinente, de objetividade pode ser o de que esta não é a que tenta demonstrar o discurso verdadeiro, mas sim não se restringe a mostrar apenas um discurso.

O Interesse Público e a Teoria do Gatekeeper

A subjetividade é um aspecto sempre presente, de alguma forma, na maioria, se não todos, os jornais. Mesmo que todos os textos contidos em um exemplar apresentem notícias cruas, desprovidas ao máximo de advérbios de modo e adjetivos possíveis, ainda há um tipo de visão direcionada, chamada de teoria do gatekeeper ou da ação pessoal, elaborada nos anos 1950 por David Maning White.

Desde o acontecimento até a notícia publicada há várias etapas de recortes com visões diferentes do que é importante e do que não é. Quando a notícia chega ao último editor, ela já foi revisada várias vezes e, ainda assim, pode ser “cortada”.

Essa seleção deve existir porque não há, por exemplo, espaço suficiente para todos os acontecimentos em um único jornal. A decisão da importância de uma publicação não deve ser eliminada porque nem tudo, de fato, “merece” virar notícia, nem todo acontecimento apresenta as características para isso. Um dos critérios é que possua caráter interessante ao publico, mas quem é o publico? E de onde vem a certeza do interesse?

Deve ser levado em conta o interesse pluralizado, mas como existe essa medida se existem vários grupos e diferentes interesses? A economia, por exemplo, é de interesse publico, mas não geral, embora devesse. Uma cidadã comum que quebra o pé dentro de sua casa não merece virar notícia, mas se essa mulher for a presidente, aí o interesse muda.

Figuras públicas e ações sociais são sempre associadas a assuntos públicos. O que não devemos confundir é interesse público com interesse homogêneo. O que se pode notar é que mesmo os assuntos mais públicos e mais visados como “importantes” também não podem ser apontados como interessante a todas as pessoas de uma nação, portanto, não podemos generalizar que veículos só apresentam interesses privados.

Busca da Realidade

É muito mais cômodo afirmar que a mídia manipula porque a impressão passada ao tomar essa posição é que existe uma capacidade de discernir o que é real e o que não é, mas justamente nesse ponto há uma contradição: Se existisse, de fato, essa capacidade de diferenciação, por consequência, existiria a capacidade de enxergar que a realidade difere de ângulo para ângulo, ou seja, se o significado da ideia fosse realmente essa capacidade de visão, então todos tentariam ver mais de um lado de alguma história para poder formar a sua opinião.

Quando um determinado grupo de pessoas tem uma inclinação a alguma ideologia é muito mais fácil engolir qualquer ideia que possua seus principais “princípios”. Por exemplo, uma pessoa que está situada em uma ideologia que vai contra o governo atual ao ler uma revista, que esteja a favor, já irá com precedentes de encontrar na leitura mais contras, mas, ao ler uma revista que esteja “de acordo” com sua posição, terá a tendência a concordar com a maior parte do conteúdo (ou até mesmo com ele todo). Assim, para essa pessoa, a revista que não corresponde às suas ideologias vai estar “manipulando” e a outra mostrando a “realidade”.

Suponha que durante toda a sua existência, até então, você nunca tenha questionado as verdades impostas no mundo, tenha tomado-as sempre como absolutas e inquestionáveis. Ao passar a questionar fatos ao invés de ficar afirmando-os repetidamente, começam então os primeiros passos para a saída da "caverna".

De uma maneira mais clara, sair da caverna, é parar de absorver todos os conceitos como afirmações e passar a inquirir. Por exemplo, ao invés de afirmar “A mídia manipula”, procurar saber o que é manipulação e o que é mídia.

Não se pode achar também que algum livro, algum professor ou qualquer outra pessoa venha te mostrar como é que deixa de olhar apenas pra frente. É claro que muitos caminhos lhe serão apontados, muitas ideias terão que lhe influenciar, pois dificilmente acha-se uma saída partindo sozinho do zero, mas é necessário caminhar com os próprios pés.

Não vivemos dentro de uma bolha para estarmos isentos de influências. Quando conseguimos nos enxergar dentro dessa esfera, conseguimos elevar nosso senso crítico e parar de taxar a mídia como um todo.
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